terça-feira, 12 de junho de 2012

EU TE DEVORO!



Com uma proposta árida orientada por cortes secos; um olhar de câmera meio nervoso deixando escapar enfoques talhados sem preocupação direta com o enquadramento perfeitinho a esnobar o público com um aparentemente distanciamento e isenção de emoção, o poeta, diretor e roteirista Pier Paolo Pasolini despeja elegantemente sua genialidade incompreensível e inalcançável em seu filme POCILGA, em pleno ano de 1969. Eu ainda nem existia nesse modelo universal de carne humana, que o referido diretor faz massacrar de todas as formas possíveis em seu filme.


Em conexões não muito obvias para alguns, Pasolini refere-se à evolução das sociedades como algo aparentemente inútil, pois ela (a instituição social) ainda é dominada pelo instinto e não pela razão e sensibilidade a interferir nos atos de conquista e/ou diálogos construtivos. Na realidade de POCILGA, os diálogos são meras ferramentas de competição, como uma espada ou um rabecão...



Uma realidade onde as obras de Arte servem apenas como tecido para as pessoas cobrirem suas vergonhas..., e não exatamente emana de seus interiores individuais como uma sensibilidade reflexível; isso fica bem claro nas cenas de dialogo dos chefes de estado discorrendo sobre a guerra e sobre os povos conquistados como se fossem peças de xadrez, apenas. E o nível da conversa não condiz com o ambiente que os acolhe (repleto de riqueza material, de obras de arte, harmonia estética...).



Paolo Pasolini é tão cruelmente perfeito com a utilização da ferramenta cinematográfica, que eu arrisco dizer que ele adequa o enredo do filme na própria FORMA de aborda-lo através do cinema. A árida dificuldade de fluir que o filme transporta ao espectador é exatamente o que POCILGA quer fazer-se compreender: a falta de dialogo em sua fórmula singela, essencial e transcendente onde um escuta, assimila, responde e vice-versa, que o mundo vem experimentando (?). A antropofagia impera...



Uma personagem do filme termina com sua sentença amarrado ao chão aguardando cães selvagens devora-lo, e sua frase final é algo mais ou menos assim: “eu matei meu pai, comi carne humana, e estou tremendo de felicidade...”, em minha leitura acho que talvez essa frase se refira à ordem Bíblica: “eu matei meu pai” (“EU” – a sociedade personificada e generalizada, “PAI”: Jesus como a corporificação de Deus-Pai para o Cristianismo), “comi carne humana” (ainda referência Bíblica da Santa Ceia onde Jesus reparte o pão e profere sua famosa frase em que menciona figurativamente que o pão é sua carne que os Apóstolos comerão como realmente sendo tal, e depois de sua ressurreição ele – Jesus, diz para repetirem esse ato simbolicamente nas liturgias do Catolicismo), “estou tremendo de felicidade” (sugere que a sociedade ocidental esqueceu Deus e segue feliz profanando suas Leis?) eis a interrogação que me ficou. Blasfêmia!



E o ato de cortar as cabeças e comer as carnes dos prisioneiros... a cabeça é a intelectualidade dos povos conquistados e o ato de comer suas carnes, simbolicamente refere-se à Antropofagia social: um povo devorando o outro ideologicamente... rapaz! devorou-se até a ideia de Adão e Eva no filme! Uma desconstrução mental total, sugerindo (talvez) ao espectador se reorganizar melhor para digerir a sociedade onde vive, e reformula-la? Quem sabe...



O pobre menino rico que enjoa de tudo à sua volta; em minha leitura, este carrega a pureza ainda existente nas sociedades, e que por estar só ou longe de seus iguais em pensamento, detona-se à apatia ao constatar-se incapaz de mudar alguma coisa, preferindo isolar-se e/ou construir uma quimera para abriga-lo. Sua morte pelos porcos é inevitável...



Certamente existem ainda outras camadas de compreensão dentro do universo de POCILGA, entretanto essa foi a leitura alcançada de meu primeiro contato com os filmes de Pasolini. Assisti POCILGA pela primeira vez e o que consegui alcançar foi isso. Este texto também não teve nenhum suporte adicional, como uma pesquisa sobre a vida e obra do autor, essas são apenas minhas impressões pessoais e diretas da leitura imediata do filme e como ele me transgrediu. Ironicamente termino de escrever ao som de “Alegria”, do espetáculo do Cirque de Soleil: “alegria, como um lampejar de vida; (...) alegria como um estado de contentamento; (...) alegria, como a insistência de amar; (...) alegria; como um estado de felicidade”.




Katiuscia de Sá
12/06/2012
03:41 p.m.